Francisco George passou a revolução de bata branca, a pedido do Movimento das Forças Armadas (MFA), e quando os cravos encheram as ruas festejou com os colegas a esperança de saúde igual para ricos e pobres.
“Quando a emissora anunciou o comunicado oficial de rendição do governo, todos nós nos abraçámos a chorar. Festejávamos, ríamos. Foi um momento absolutamente inesquecível e fantástico”, contou à Lusa o atual Diretor-Geral da Saúde, que tinha 26 anos no dia 25 de abril de 1974.
Com o curso terminado no ano anterior, trabalhava no Hospital de Santa Marta, em Lisboa, para onde foi com o pai, então diretor da instituição.
“Não obstante a expressa preocupação de não fazer correr a mínima gota de sangue de qualquer português, apelamos para o espírito cívico e profissional da classe médica esperando a sua ocorrência aos hospitais, a fim de prestar a sua eventual colaboração que se deseja, sinceramente, desnecessária”, ouviu-se antes das 04:00 do dia 25 de Abril, através da Rádio Clube Português.
Viveram-se horas “de grande expectativa e ansiedade, mas também de confiança pela vitória que já se avizinhava, até pelos movimentos populares que rodeavam os revoltosos”.
A certa altura, contou Francisco George, não resistiu: “Ao princípio da tarde fui ao Carmo, onde assisti à rendição do antigo presidente do conselho e àqueles movimentos todos que aconteceram. Foram acontecimentos inesquecíveis.”
Voltou ao hospital, onde festejou com os colegas a vitória da revolução. “Estávamos todos unidos. Portugal parecia uma família, não havia desunião.”
A estes médicos seria pedido, em breve, um papel importante na alteração dos indicadores de saúde pública que envergonhavam o país e eram, inclusivamente, usados pela oposição ao regime.
“Portugal era outro. Os portugueses viviam com grande dificuldade e os indicadores de saúde pública traduziam” isso.
Francisco George passaria, anos depois, por desafios como a sida, a pandemia de gripe, a ameaça de bioterrorismo ou as silenciosas doenças crónicas, mas, em 1974, era a impotência perante a morte de crianças com menos de um ano que o assombrava.
“A taxa de mortalidade infantil, indicador que traduz com grande clareza a situação não só sanitária, como de desenvolvimento, era muito alta. Ao nascerem, as crianças tinham uma probabilidade muito alta de não atingir o primeiro ano”, disse.
Esse valor - 44,8 por mil - “colocava Portugal no final dos países europeus. Hoje não chega a três” por mil.
Num país em que a assistência estava pulverizada nos postos de serviços médico sociais (os chamados postos da caixa) e os centros de saúde tinham sido criados há muito pouco tempo, era a iniquidade que mais atormentava os profissionais de saúde. “A falta de igualdade tem uma carga de imoralidade: os pobres tinham mais dificuldades, os ricos tinham acesso fácil”, afirmou.
Francisco George recorda “um pequeno livro que foi muito expandido sobre o lançamento das bases do SNS”, escrito pelo médico e major Cruz Oliveira, e que visava incentivar o debate em torno do que seria para Portugal um SNS que acabasse com as desigualdades, as iniquidades e facilitasse o acesso”.
“Gizemos todos um plano que se possa rapidamente concretizar. Ele será mais uma prova da enorme capacidade criadora do povo português”, lê-se numa passagem do livro, eleita por Francisco George.
Os tempos seguintes, recordou, foram de “grande mobilização”: “Fomos servir para a província, para toda a periferia.”
O curso médico do atual Diretor-Geral da Saúde foi o primeiro a ser colocado na província. Calhou-lhe Odemira, onde foi médico em Vila Nova de Milfontes, Santa Clara e Saboia.
“Encontrei um país pobre, muito rural, com muitos problemas de acesso e cidadãos com poucos direitos. As pessoas morriam cedo”.
A experiência foi de tal forma “entusiasmante” que pediu para continuar na província, onde fez carreira antes de voltar aos grandes centros.
A sida assustou-o nos anos 80, quando se encontrava no Congo a trabalhar para a Organização Mundial de Saúde, e revelou a dimensão do risco de uma nova doença.
Francisco George elege agora as doenças crónicas não transmissíveis – vasculares, oncológicas, respiratórias crónicas e a diabetes – como o grande desafio da saúde dos portugueses, 40 anos depois.
Sobre o mérito da revolução, é perentório: “Ninguém sabe, mesmo os que poderão ser contra o 25 de Abril, o que foi viver antes do 25 de Abril.”
“E os que escolheram – num concurso recente – a figura de Salazar como símbolo também não sabem quem foi Salazar”, concluiu.
jornaldamadeira